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Simon’s Quest (não) é tão ruim quanto te disseram..

Simon’s Quest é um jogo duplamente amaldiçoado, inicialmente pelo Dracula. Segundamente pelo Angry Video Game Nerd que particularmente, não estava muito errado. A mudança de Castlevania para Castlevania II : Simon’s Quest foi enorme. Um pensamento comum é de que Simon’s Quest simplesmente sofreu do clássico “estar muito à frente de seu tempo”, a verdade é que mesmo para a época em que ele foi criado deixou bastante a desejar.

Castlevania, ou Akumajou Dracula, foi um projeto liderado por Hitoshi Akamatsu. Nome que por muito tempo ficou desconhecido dos fãs da série e que até hoje, na verdade, pouco se sabe a respeito. O pouco que se sabe, dito por um dos membros da equipe que trabalhou nos jogos lançados para o Famicom/Famicom Disk System, os modelos japoneses do Nintendo Entretainment System (ou simplesmente Nintendinho).

A respeito da conclusão de Akumajou Dracula (aka Castlevania), na visão do diretor, ao derrotar a “primeira forma” do Drácula, seu corpo se parte e se espalha pela terra anunciando um possível retorno do vampiro. Em uma postagem anterior, comentei um pouco a respeito das influências que compõe Castlevania.

Após a derrota desta primeira forma uma criatura monstruosa aparece, aquela já não é mais o Drácula, mas a encarnação do mal presente no coração humano, a própria maldição que faz com que o Drácula seja convocado em momentos de desespero e crueldade. Simon Belmont é amaldiçoado por está criatura. Com a derrota do Drácula e a queda de seu castelo se encerra Akumajou Dracula/Castlevania, abrindo portas para um continuação que viria no ano seguinte com Dracula II : Noroi no Fuuin / Castlevania II : Simon’s Quest lançado em 1987 para o Famicom Disk System.

História

De acordo com o manual japonês de Dracula II : Noroi no Fuuin (Dracula II : Selo da Maldição, em uma tradução literal), é dito que: “Sete anos após os chocantes acontecimentos de Akumajou Dracula, nos encontramos novamente entre os vilarejos da Transilvânia. O herói, Simon Belmont, derrotou Drácula colocando-o em descanso por longos cem anos. Essa luta, no entanto, custou ao próprio a saúde de seu corpo. As feridas recebidas em suas costas naquela batalha mortal enfraqueceram-no e fizeram com que ele se aproximasse da morte.”

Recorte retirado do manual japonês.

“Uma manhã, ao visitar o morro que guarda as tumbas de seus antepassados, perguntando-se sobre o destino da própria vida, Simon sente uma presença atrás de si e quando olha se depara com uma moça que o diz. ‘A sua vida foi afetada por uma maldição, da qual você corre perigo, ainda que seu coração lute contra ela, pois possui coragem suficiente para enfrentá-la. Deus deve tê-lo concedido seu poder para isso. O poder desta maldição veio se acumulando com o passar do tempo e quando estiver completa, Drácula irá renascer. Só existe uma forma de destruir seu corpo.”

“Quando seu corpo se despedaçou a 7 anos atrás seu renascimento também foi iniciado. Em outras palavras, se você conseguir encontrar os cinco fragmentos do corpo do Drácula e queimá-los junto aos restos de seu castelo, as feridas em suas costas serão curadas e junto será desfeita a maldição que recaiu sobre você. Não existe outro método para derrotá-lo efetivamente a não ser esse.’ Após dizer isso, a moça desapareceu e Simon Belmont partiu em uma nova viagem, dessa vez não havia outra saída. Lute Simon! Please, Remember Bitter Memories in Transilvania!” Em uma tradução adaptada, é isso que informa o manual.

O manual ainda explica um pouco a respeito dos novos itens e mecânicas do jogo, a qual deixarei aqui como ajuda aqueles que não conseguem ler japonês ou inglês:

Descrição do Manual sobre os Itens
  • Bolsa de Pano: Aumenta a capacidade de transportar medicamentos.
  • Cristal Branco: Item que possui poder maligno. Ainda assim, um poder maligno fraco.
  • Cristal Azul: Possui um poder maligno mais forte que o cristal branco.
  • Cristal Vermelho: Impossível ir até o Castelo do Drácula sem isto.
  • Água Benta: Revela itens escondidos no chão e derruba paredes.
  • Adaga: Derrota inimigos a longas distâncias.
  • Faca Prateada: Possui um alcance maior que a adaga.
  • Faca Dourada: Esconde um misterioso poder, a mais forte das facas.
  • Estaca de Carvalho: Necessário para coletar os restos mortais do Drácula dentro das mansões.
  • Laurel: Não permite receber dano de nenhum inimigo. Pode ser comprado de um mercador.
  • Alho: Ao posicionar, os inimigos que passarem por ele receberão dano. Pode ser comprado de um mercador.
  • Diamante: Rebate ao tocar uma parede.
  • Rosário: Extremamente necessário para o momento de selar os poderes do Drácula.
  • Unha: Um dos restos mortais do Drácula. Demonstra o poder demoníaco.
  • Olho: Um dos restos mortais do Drácula. A visão do próprio demônio.
  • Costela: Um dos restos mortais do Drácula. Possui o poder de alterar a forma corpórea do demônio. 
  • Anel: Um dos restos mortais do Drácula. Símbolo do Demônio.
  • Coração: Um dos restos mortais do Drácula. Coração do Demônio.
  • Chicote de Couro: Chicote equipado ao Simon no início da aventura.
  • Chicote de Espinhos: Mais poderoso que o chicote de couro.
  • Chicote de Corrente: Aumenta o dano causado aos inimigos.
  • Maça: Aumenta a distância do chicote e adiciona uma bola de ferro em sua ponta.
  • Chicote de Chamas: Transforma o chicote com magia, possui um incrível poder.
  • Corações: Aparecem ao derrotar os inimigos. Servem como pontos de experiência e dinheiro.

Além disso, o manual ainda fala sobre as vilas alertando que durante o dia é possível conversar com os moradores e pegar dicas, porém tomar cuidado, pois algumas destas dicas podem ser falsas. À noite, os moradores se trancam dentro de casa, pois a vila é tomada por monstros. Além de dar uma descrição dentre os diversos cenários do jogo, a mais relevante é sobre o barqueiro onde diz que “O levará por um caminho diferente, a depender dos restos do Drácula que você tiver em mãos”.

Existe também uma menção ambígua sobre o cemitério dizendo “Encontre esse tio aqui”, porém apenas o Simon e um esqueleto estão na imagem. Com essas informações em mãos, podemos finalmente iniciar o jogo, é bom trazer um papel e caneta.

Mudanças na Jogabilidade

O grande cerne do jogo é adaptar a jogabilidade plataforma do primeiro Castlevania, adicionando pequenos aspectos de RPG. Algo que vale lembrar, acabara de nascer. O primeiro Dragon Quest (1986) fora lançado apenas um ano antes deste, pelas mãos da Enix\Chunsoft, o que pode ter servido de inspiração para a construção e apresentação dos desafios deste jogo.

Ainda que Hitoshi Akamatsu alegue que sua principal inspiração foi The Maze of Galious (1987), título da Konami lançado para o MSX naquele mesmo ano, é possível notar que essa inspiração se trata mais dos aspectos mecânicos e jogabilidade, como subir escadas e passar por labirintos. De resto, é possível ver aqui e ali semelhanças com Dragon Quest, pântanos venenosos, que precisam de um item específico para passar, entrar em casas para falar com NPC’s, até mesmo existe um inimigo que é um slime, que segundo o manual japonês se chama Ameba

Essa ligação com Dragon Quest acaba por não ser imediata, pois a franquia só veio a receber seu reconhecimento no ocidente anos depois de vários dos seus títulos estarem limitados ao Japão. Apesar de não existir uma fonte oficial que confirme isso, recomendo se possível jogar o primeiro jogo da franquia, seja a versão original ou os remasters e será perceptível algumas poucas semelhanças.

Independentemente se foi uma influência ou não, o núcleo entre os dois está bem claro: fale com moradores, colete informações, viaje por mapas com inimigos, colete dinheiro e experiência, adentre dungeons, junte itens escondidos pelo mapa, use estes itens para acessar novas áreas.

Simon’s Quest adiciona algumas outras coisas a essa fórmula, inimigos que dão dicas enganosas e um sistema de dia e noite que altera atributos de força e defesa do inimigos, assim como o dia a dia dentro da cidade (essa última, inclusive, foi implementada em Dragon Quest III anos depois) são as principais. Entretanto, os pontos que Dragon Quest acerta, Simon’s Quest erra.

Não existe um problema real em receber dicas faltas ou ambíguas dos NPCs, particularmente é uma ideia extremamente interessante e gostaria de ver algum RPG que se debruça sobre ela, Final Fantasy II possuía um sistema onde determinados personagens davam dicas se o jogador desse a palavra secreta para o personagem correto. A execução dessa ideia não teve o devido polimento, o que foi também afetado pela tradução pobre que o título recebeu. 

Com exceção de alguns poucos textos que são obviamente mentiras como “Grite em frente à igreja para se curar.” ou “Há um rumor de que o barqueiro adora alho.” existem algumas outras que são ambíguas como por exemplo “O rio morto está no aguardo para ser liberto da maldição” ou “A poção mágica irá destruir as paredes do mal.” e precisam de um pouco mais de pensamento para serem pensadas. Nesta última, por exemplo, não existe uma poção dentro do jogo, o mais próximo que existe é a água benta que possui o poder de dissolver paredes, como visto no manual do jogo.

Ainda assim, o jogo sofre por falta de informação, a dica “O rio morto está no aguardo para ser liberto da maldição.”, por exemplo, sofre disso, uma vez que existem alguns rios do jogo, mas quase nenhuma menção é feita aos nomes deles.

O manual da versão japonesa possui um mapa, o que não se faz presente dentro da versão americana. Somente tendo atenção a este mapa é que é possível se localizar com uma maior precisão, visto que as cidades possuem placas, porém nenhuma placa informa o nome da cidade, só alguns nomes de zonas à direita ou à esquerda daquela cidade. A título de exemplo, existem três dicas dentro de um jogo que fazem menção a um local chamado Deborah Cliff, entretanto não há nenhuma orientação em nenhum lugar a respeito de onde seja esse tal penhasco.

Representação do mapa de Castlevania II : Simon’s Quest

O grande problema dessa mecânica não está no fato dos personagens mentirem ou darem dicas ambíguas, mas na pouca quantidade de personagens que dão estas dicas. Até mesmo o já mencionado Dragon Quest possuía placas ou personagens na porta das vilas com mensagens de boas vindas e o nome da cidade, o que mesmo com um jogo sem mapa já ajudava bastante a se localizar.

A existência de placas posicionadas na entrada das florestas, ou mesmo NPCs escondidos, ou até mesmo mais NPCs dentro de casas para aumentar o número de informações que o jogador recebe seriam suficientes para solucionar diversos problemas que o jogo apresenta apenas através da curiosidade do jogador. Perceba que o mapa é extremamente linear, não seria tão impossível se perder por ele se o próprio jogo ofercesse de forma precisa o nome da cidade, ou dos locais por onde o personagem passa.

Por falar em NPC’s, retirando o fato de que para falar com eles você precisa apertar juntos cima e o botão de ataque, combinação que só não me é mais esquisita pois já joguei Hokuto no Ken (Famicom) antes. O primeiro morador da vila de Jova a aparecer é um ancião que fala para conseguir um White Crystal, dali em diante é possível encontrar um mercador que vende este item, adentrando as casas é possível achar outros dois que vendem a água benta e um chicote. Assim, o jogo te ensina nas primeiras horas como ocorre as compras de itens.

Partindo para as outras cidades, esse sistema de compra também está presente, porém curiosamente os mercadores estão escondidos em uma espécie de bunker dentro da própria casa, o que faria sentido considerando que eles estão com medo dos monstros que atacam as vilas, mas para a jogabilidade é bastante entediante descer e subir escadas várias vezes em busca dos itens que eles vendem.

Novamente, se existe um sistema de compra e vendas, por qual razão cada comerciante dentro do jogo vende exclusivamente um item? Seria muito mais prático colocá-los para vender mais de um item, fazendo comerciantes de diferentes cidades venderem diferentes itens. Ainda sim, o fato de ter que explorar a casa do comerciante procurando por ele faz menos sentido ainda, além de ser simplesmente entediante. Não chega a ser uma mecânica essencialmente ruim, mas considerando a velocidade que o personagem se move, acredito que só para comprar um item o jogador leve em média cinco minutos para entrar e sair da casa.

Enfim, as primeiras horas de jogo serão gastas buscando por esses mercadores para conseguir melhorias para o chicote e armas úteis, o que nos leva a falar do arsenal que Simon Belmont carrega consigo nesta aventura. Já mencionei anteriormente todos os coletáveis, em verdade, apenas alguns deles são realmente úteis, com exceção das melhorias para o chicote e os restos mortais do Drácula, que são o cerne do jogo, apenas a água benta, o fogo sagrado, os cristais e a estaca tem alguma utilidade. O alho serve para paralisar inimigos e revelar dois mercadores secretos e os louros dão uma invencibilidade para atravessar os pântanos venenosos. 

Possivelmente os outros itens foram pensados para a batalha contra os chefes, do qual temos três: Carmilla, Morte e Drácula. Essa primeira sendo referência a um romance, relativamente contemporâneo ao Drácula de Bram Stoker, nomeado de Carmilla e escrito por Sheridan Le Fanu. Apesar dos nomes de peso presentes aqui, em verdade, é o grupo de chefes mais patético de toda a franquia, é costume dos jogadores utilizarem o fogo sagrado para derrotar estes chefes mais rápidos, mas apenas com o chicote eles são derrotados em poucos golpes.

Imagens do chefes retiradas do jogo

Particularmente, existem inimigos comuns mais chatos de lidar do que esses chefes. Inclusive, deve existir algum erro de programação que após passar pela sala onde eles estão localizados e voltar, eles vão estar lá de novo, porém você pode passar direto que não fará nenhum efeito, inclusive até acho que se passar direto por eles na primeira vez também não terá efeito algum, mas não cheguei a testar.

Para concluir, nos resta falar um pouco da progressão dentro de Simon’s Quest. Falando sinceramente, este jogo não é um jogo necessariamente ruim, talvez confuso nas primeiras horas e com um falta de polimento imensa nas mecânicas que ele se propõe a fazer. Nessa época, Castlevania ainda não havia consagrado seu nome, ao menos não da mesma forma com a qual a marca é reconhecida hoje, portanto é muito provável que a equipe de desenvolvedores trabalhou com um baixo orçamento para este título, ou mesmo tiveram menos tempo de desenvolvimento para refinar as suas mecânicas.

Segundo um dos desenvolvedores que trabalha nestes projetos na época, a Konami estava mais interessada em surfar no sucesso dos jogos das Tartarugas Ninja do que com as marcas criadas dentro da própria empresa. Essa falta de atenção com Castlevania teria supostamente feito com que Hiroshi Akamatsu se esforçasse mais no desenvolvimento de Castlevania III para demonstrar que a série possuía potencial, sendo o terceiro o último jogo com sua participação dentro da série. Infelizmente, Castlevania II aparenta não ter recebido essa mesma atenção.

Castlevania II : Simon’s Quest, no final das contas não é um jogo ruim, tomando um pouco de cuidado é possível terminá-lo em pouco tempo e tomando consciência das inconsistências que o jogo apresenta é possível se divertir um pouco fazendo a rota até o Drácula, dificilmente vai ser um jogo que irá irritar o jogador em algum nível, seja com bugs inesperados ou uma dificuldade absurda. Castlevania II é, infelizmente, uma experiência sem gosto. Em outras palavras, é aquele filho que na época de escola era considerado um gênio, mas quando chegou na fase adulta viu que estavam mentindo para ele o tempo todo. No fim, o AVGN estava realmente certo: “This game sucks.

Material Referencial:

  1. Shumplations : Castlevania Developer Commentary
  2. Castlevania II : Simon’s Quest – Manual / Dracula II : Fuuin no Noroi – Manual

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9 horas atrás

[…] os descendentes do descendente do Loto, mas essa história fica para outro momento. Por enquanto, clique aqui e conheça um jogo que foi bastante influenciado por Dragon […]

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